3.º Ciclo
Este ano, é nossa intenção dar início à semana da leitura com a sugestão de um texto humorístico. Trata-se de um pequenino conto tradicional do povo português, que mostra como as crianças, que não iam à escola, se sabiam defender e até vingar do autoritarismo dos adultos. Neste caso, trata-se de um rapazito que era obrigado a acompanhar um pedinte enquanto este pedia esmola pelas aldeias. Oiçam com atenção.
O cego e o moço
Um cego andava pedindo esmola pela mão de um moço; a uma porta deram-lhe um naco de pão e um bocado de linguiça.
O moço pegou no pão e deu-o ao cego para metê-lo na sacola, e ia comendo a linguiça, [sem que o cego se apercebesse].
O cego, desconfiado, pelo caminho começa a bradar com o moço:
– Ó grande tratante, cheira-me a linguiça! Cheira-me a linguiça! Acolá deram-me linguiça e tu só me entregaste o pão.
– Pela minha salvação, que não deram senão pão.
– Mas cheira-me a linguiça, refinado larápio!
E começou a bater com o bordão no moço pancadas de criar bicho.
O moço era ladino e disse lá para si que o cego lhas havia de pagar.
Quando iam por uns campos onde estavam uns sobreiros, o moço embicou o cego para um tronco, e grita-lhe:
– Salta, que é rego. O cego vai para saltar e bate com os focinhos no sobreiro. Grita ele:
– Ó rapaz do diabo! Que te racho.
Diz-lhe ele:
Pois cheira-lhe o pão a linguiça,
e não lhe cheira o sobreiro à cortiça?
Teófilo Braga, Contos Tradicionais Portugueses (Recolha)
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