Secundário
Este ano, é nossa intenção dar início à semana da leitura com a sugestão de um texto humorístico. Trata-se de uma crónica, escrita por Ricardo Araújo Pereira, um humorista por demais conhecido, que reflete sobre a prepotência de quem detém o poder, que muitas vezes se quer fazer passar por inteligente e fazer dos outros estúpidos. Oiçam com atenção.
Se adjetivar, não beba
A deficiente utilização de certos adjetivos continua […]. Mas talvez nenhuma outra palavra tenha tido pior sorte do que o adjetivo genial. Era um termo recatado, precioso, de utilização rara. Aplicava-se quase exclusivamente a coisas que tivessem sido feitas por Leonardo Da Vinci, e era assim que estava certo.
De repente, sem que o mundo tivesse acompanhado esse melhoramento, tudo passou a ser genial. Certo vinho é genial. Uma peça de roupa pode ser genial. Alguns silêncios são geniais.
Nunca se desceu tão baixo, no entanto, como esta semana. Nos Estados Unidos acabou de sair um livro que […] Donald Trump deseja retirar das prateleiras. Parece que o livro pinta um retrato bastante desagradável do presidente americano, o que em princípio significa que é uma obra rigorosa.
Ofendido, Trump foi lamuriar-se para o Twitter. Disse que, ao contrário do que se afirma no livro, ele não é um imbecil. Na verdade, escreveu ele, “Eu sou, tipo, mesmo esperto.” E acrescentou que há bons argumentos para que se considere um génio.
Vale a pena refletir nestas palavras. Primeiro, poderíamos perguntar se uma pessoa inteligente diz de si própria que é inteligente. Segundo, se o diz, tipo, nestes termos. Mas é importante não deixar que a nossa antipatia por Trump nos [perturbe] o raciocínio. Talvez ele possa, de facto, ser um génio.
Muita gente está convencida de que Donald Trump não pode ser um génio porque é um javardo. É falso. Não há qualquer incompatibilidade entre o génio e a javardice. Às vezes, [convivem lado a lado].
Alexander Fleming era um génio precisamente por ser um javardo. Uma vez, como é sabido, foi passar as férias de verão com a família e, quando voltou ao seu imundo laboratório, reparou nuns bolores que se tinham formado a um canto. Observando as suas propriedades, descobriu a penicilina: a carreira de Fleming consiste, basicamente, na análise dos resultados da sua própria imundície. Comportava-se badalhocamente e depois examinava as consequências dessa conduta.
Ora, Donald Trump, sendo um porcalhão literal e metafórico (no sentido em que é um porco no que diz respeito tanto à higiene como à moral), se fosse um génio, já teria inventado 30 vacinas. Material não lhe falta.
Ricardo Araújo Pereira, in VISÃO 1297, de 11 de janeiro
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