sexta-feira, 22 de março de 2024

SEMANA DA LEITURA (5.º dia) - “Uma página por dia, não sabe o bem que lhe fazia” - 3.º Ciclo

3.º Ciclo



Hoje, vamos ler uma crónica, escrita por Ricardo Araújo Pereira, um humorista por demais conhecido, que reflete sobre as decisões precipitadas dos nossos governantes. Oiçam com atenção.


Nem 30 nem 300

Assim que o Governo anunciou a intenção de reduzir para 30 quilómetros por hora o limite de velocidade nas localidades, várias pessoas reclamaram: “Só?! É muito pouco!” E vários habitantes de Lisboa e Porto disseram: “Tanto?! Quem me dera. Quando circulo em hora de ponta raramente passo dos cinco à hora.

Parece ser uma daquelas ideias que indispõe toda a gente. Os automobilistas das grandes cidades já estavam condenados a engonhar por causa dos engarrafamentos, e agora passam a ter de engonhar também por causa da lei.

Como sempre faço antes de me pronunciar sobre qualquer tema, levei a cabo um profundo estudo sobre esta medida e, durante a semana, experimentei andar por Lisboa a 30 km/h.

O balanço foi extremamente positivo para a minha segurança e a de todas as pessoas com as quais me cruzei, e extremamente negativo para a reputação da minha mãe, sobre cuja suposta atividade profissional ouvi muitos comentários.

Tirando ter de suportar a azeda animosidade dos seus concidadãos, o automobilista que circula a 30 só recolhe benefícios. A esta velocidade é perfeitamente possível ir adiantando o jantar, no caminho para casa. Ou ler um livro. Obtém-se uma nova tranquilidade, muito rara na vida urbana.

Uma vez experimentei meter a terceira mas o carro não aguentou. Faz-se o caminho todo em segunda e não é preciso estar a mexer na caixa de velocidades.

Dois funcionários da EMEL tentaram multar-me porque não perceberam se eu estava estacionado ou a andar.

Fui ultrapassado por praticantes de running (que é, aliás, o antigo jogging. Trata-se de correr, na verdade, mas em estrangeiro).

Pessoas que iam a pé no passeio pensaram que eu estava a segui-las sinistramente e atiraram-me frutas ao para-brisas. Foi uma experiência repleta de novas sensações.

A medida parece integrar-se num pacote abrangente que pretende criar um novo tipo de português que não fuma, não bebe refrigerantes, não come rissóis nem sandes de presunto nas cantinas hospitalares e conduz a 30 à hora.

Em princípio, nunca mais um português morrerá. A não ser de tédio. Mas, ao que tudo indica, o tédio também será proibido muito em breve.

Ricardo Araújo Pereira, in Visão 1299, de 25 de janeiro


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